terça-feira, 20 de setembro de 2016

[Resenha] A guerra não tem rosto de mulher

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Autora: Svetlana Aleksiévitch
Páginas: 392
Editora: Companhia das Letras
A história das guerras costuma ser contada sob o ponto de vista masculino: soldados e generais, algozes e libertadores. Trata-se, porém, de um equívoco e de uma injustiça. Se em muitos conflitos as mulheres ficaram na retaguarda, em outros estiveram na linha de frente.
É esse capítulo de bravura feminina que Svetlana Aleksiévitch reconstrói neste livro absolutamente apaixonante e forte. Quase um milhão de mulheres lutaram no Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, mas a sua história nunca foi contada. Svetlana Alexiévitch deixa que as vozes dessas mulheres ressoem de forma angustiante e arrebatadora, em memórias que evocam frio, fome, violência sexual e a sombra onipresente da morte.


Esse é o segundo livro de história que eu leio este ano, e apesar de Náufragos, Traficantes e Degredados ser um livro interessantíssimo, devo admitir que minha leitura mais recente e objeto dessa resenha me deixou de queixo caído. Diferente de qualquer outro livro de história, esse não contém uma narrativa sucinta de batalhas vencidas e perdidas na Segunda Guerra Mundial pelos olhos dos homens que costumam escrever a história, mas sim relatos impressionantes que a autora passou vinte e seis anos colhendo em entrevistas de mulheres que participaram ativamente, seja em nome da pátria que amavam ou simplesmente pelo futuro em que acreditavam.

O livro que vos apresento conta com a narrativa comovente e perturbadora das mulheres que lutaram na guerra, que desejavam lutar pelo que acreditavam, que mesmo com o descrédito dos soldados homens, provaram seu valor. Fosse arrastando sobreviventes mais pesados que elas no meio de um tiroteio, consolando feridos que elas sabiam que não resistiriam mais que algumas horas, falhando na tentativa de odiar o inimigo ferido e lhes dando assistência, mesmo contra a vontade dos colegas de batalhão, desarmando bombas, ou dirigindo tanques, ou como mensageiras e todas as atividades impressionantes que a principio você não visualizaria uma mulher fazendo na década de 1940.

Eu me lembrava de um jovem tenente... As pernas dele... Uma havia sido cortada pelos estilhaços, outra ainda estava pendurada por algo... Estava fazendo curativos nele... Sob bombas... E ele gritava para mim: 'Não prolongue! Termine de me matar! Termine de me matar! Estou ordenando...'

Não é um livro fácil de ser lido, depois da leitura de alguns relatos eu sempre precisava de uma pausa para chorar a dor dessas mulheres, ou simplesmente para não sufocar em meio a tanta realidade inacreditável.

No início de cada capítulo temos trechos do diário da própria escritora, em que ela descreve também a realidade dessas mulheres atualmente, onde moram, suas ocupações atuais, os sentimentos que impregnam o ambiente onde a entrevista está acontecendo, além de uma tentativa de explicar qual o seu objetivo para o livro, tudo contado com uma sensibilidade ímpar, que às vezes me fazia acreditar que um mundo melhor pode ser possível.

Não estou escrevendo a história da guerra, mas a história dos sentimentos. Sou uma historiadora da alma. Por um lado, investigo o ser humano concreto, que viveu em um tempo concreto e que participou de acontecimentos concretos; por outro, preciso distinguir neles o ser humano eterno. A vibração da eternidade. Aquilo que sempre existe no ser humano.

A autora relata ainda que em diversos momentos, a ideia do livro sofreu resistência, que passou alguns anos recebendo recusas de editoras. A justificativa é que essa não era a guerra certa, era cruel demais. E tenho que admitir, que filme nenhum prepara para essa leitura. Pois é mesmo um livro forte. Mas com certeza também é um lado da história que merece ser contada. E que tem o direito de ser lida.

Um comentário:

  1. Oi Ana, tudo bem?
    Não conhecia o livro, mas fiquei muito interessada. Acho que nunca li nada com esse ponto de vista e com certeza vou querer dar uma chance para essa obra :)
    Acredito que ele deva ser forte mesmo, mas é como você disse, é um livro que precisa ser lido. E como feminista, vou adorar ver o trabalho que muitas mulheres fizeram, mas que sempre fica em segundo ou nenhum plano.
    Beijoooos
    http://profissao-escritor.blogspot.com.br/

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